05 março, 2017

palimpsesto [#2.1]

Acto Segundo (1 + 1)  
(Versão 2.1)  Intermezzo


[A música do segundo Acto Primeiro cessou. A cortina foi fechada. De um lado, o público estarrecido. Do outro, dois corpos que repousam esgotados. Ouve-se  PLAY Fausto  @ não se move. π arrasta-se, transpõe a cortina, ajoelhado, como quem reza.]

π: [com seriedade, em tom grave]

creio-nos em almas escancaradas,
de jangada que toma de assalto as ternuras e delícias que flutuam na desconjuntada periferia do tempo

como se ali tivessem morado sempre,
as ternuras e delícias,
revistas no tempo de sempre
em escassos cinco minutos (dos nossos)

mas não!
terão passado quatro  (ou teriam sido cinco mil?) unidades de tempo maior,
daquelas medidas pela dança da Terra à volta do Sol
     [sim, confirmei no Google a definição de um ano (dos homens)]

o tempo é-nos sempre tão confuso 
e a memória comum e a arqueologia dos dias estão guardadas na magia de um clique,
talvez à matéria das almas escancaradas não lhe assista factos tão perfeitamente inúteis

mas só podem ter sido quatro (ou teriam sido cinco mil?)
unidades de tempo maior, condensadas num minuto  (do nosso encontro)

preciso-nos em almas escancaradas de gigante,
sem garantir que o trajecto da nossa luz ao vazio se faça em porções de 1/299792458 de segundo ou em qualquer outra fracção

perfeitamente maiores, seremos, pois,
nos passos do nosso encontro
à razão de sermos próximos das coisas que não se tocam,
feitos em pormenores do reflexo das árvores concretas,
que flutuam e descansam nas águas do rio
na perfeita liberdade de ser-plano
                         (à tona do mundo de Edwin Abbott)

creio-nos em almas escancaradas,
tão claras e distintas de detalhes,
na complexidade que se esbate nas coisas planas e mágicas
em plena liberdade de existência

foge-nos o vício,
da morbidez,
         (daquela a que os homens se habituaram a querer viver)
e escolhemos a matéria etérea e fugaz para existir,
em almas escancaradas ao sabor e aroma do perfume das chuvas

esgueiramo-nos, sensíveis, aos toques ímpios na água 
                 (os que dissolvem a magia da revelação)
e somos de tal infinitas maneiras
que só o poema nos poderá eternizar.

sim, creio-nos em poesia! 

Público: [Em coro] sim, creio!

[
π transpõe, novamente, a cortina e junta-se a @.
 @, em posição flectida, tronco erguido a 90º, revela três rugas entre os olhos, manifestando no rosto expressão de zanga.]

π: [Encolhendo os ombros  e flectindo o braço, pelo cotovelo, ergue as palmas das mãos em simultâneo, viradas para @, formando um ângulo recto com o antebraço] Eu posso explicar!

Ouve-se, ao longe, PLAY  Fausto .

<--- vasleuqaR <---

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