Reflexos
As águas do lago pareciam agora mais calmas após o
lançamento de várias pedras. As
reminiscências foram desaparecendo ao mesmo tempo que, no lugar das águas
agitadas, começou a surgir a face como reflexo de si próprio. A clareza do
reflexo assustou-o. A nitidez com que agora se via refletido mais parecia estar
frente a um espelho.
Onde estaria
o original?, questionou-se.
A confusão surgia-lhe na mente pelo que mexeu os
lábios para melhor perceber, quem seria a origem e quem seria o reflexo, quem seria
o criador e quem seria o criado.
... alguma tranquilidade surgiu após uns segundos de
inquietação, quando compreendeu que a imagem obedece à origem, que ainda existe
controlo sobre a sua própria aparência.
De súbito, sente um frio que estala pelo corpo, quando
surge no seu pensamento a possibilidade de ele próprio ser aparência de algo
que não vê, ser uma existência de uma essência escondida. Da mesma maneira que
poderia comprovar a existência do reflexo,
porque não ser ele próprio reflexo de outra coisa qualquer?
Provavelmente
não serei, pensou.
Certamente não seria, mas aquela ameaça continuava bem
viva na sua cabeça. Parecia tudo confuso, e este homem tinha habitualmente os
pés bem assentes, pelo que, apenas a confusão podia influenciar o raciocínio e
deturpar a sua razão. Afinal, ainda tinha controlo sobre os seus movimentos e domínio
sobre as suas expressões faciais, razão essa aparentemente suficiente para
sentir uma enorme sensação de poder sobre si próprio.
Surgiu o vento e com ele algumas folhas a caírem sobre
a água do lago. O homem não resistiu em tocar com os dedos na água fria. Ao
mesmo tempo que se arrepiava, sentia dentro de si um outro tipo de frio.
Assustou-se. Olhou em volta e compreendeu que a face triste ou alegre, estava
mais vezes dependente do exterior do que dele próprio, a própria expressão
facial era reflexo de algo alheio. Onde estaria agora o seu poder de controlo?
Cerrou os punhos, afirmou em voz bem alta e com alguma irritação:
Mas eu
respiro porque Eu quero! Eu ainda mando em mim!
Após o grito de desespero, respirou profundamente como
se demonstrasse a si próprio o argumento que proferia...
e veio a calma e o silêncio. Um silêncio tão profundo
que nem o vento se ouvia. A água do lago pareceu render-se ao seu desespero e
permaneceu serena ao mesmo tempo que refletia agora as imagens envolventes como
uma pintura se tratasse... um silêncio tão profundo que apenas permitia ouvir
ele próprio... até ouvir apenas o seu ritmo cardíaco. O coração, esse batia sem
que ninguém mandasse! E o homem compreendeu que o seu próprio motor agia sem a
sua ordem. Percebeu que a sua própria condição não carecia da sua vontade.
Olhou novamente o lago e resignou-se ao silêncio e à
face refletida na água.