11 janeiro, 2017

Reflexos







Reflexos

As águas do lago pareciam agora mais calmas após o lançamento de  várias pedras. As reminiscências foram desaparecendo ao mesmo tempo que, no lugar das águas agitadas, começou a surgir a face como reflexo de si próprio. A clareza do reflexo assustou-o. A nitidez com que agora se via refletido mais parecia estar frente a um espelho.
Onde estaria o original?, questionou-se.
A confusão surgia-lhe na mente pelo que mexeu os lábios para melhor perceber, quem seria a origem e quem seria o reflexo, quem seria o criador e quem seria o criado.
... alguma tranquilidade surgiu após uns segundos de inquietação, quando compreendeu que a imagem obedece à origem, que ainda existe controlo sobre a sua própria aparência.
De súbito, sente um frio que estala pelo corpo, quando surge no seu pensamento a possibilidade de ele próprio ser aparência de algo que não vê, ser uma existência de uma essência escondida. Da mesma maneira que poderia comprovar a existência do reflexo, porque não ser ele próprio reflexo de outra coisa qualquer?
Provavelmente não serei, pensou.
Certamente não seria, mas aquela ameaça continuava bem viva na sua cabeça. Parecia tudo confuso, e este homem tinha habitualmente os pés bem assentes, pelo que, apenas a confusão podia influenciar o raciocínio e deturpar a sua razão. Afinal, ainda tinha controlo sobre os seus movimentos e domínio sobre as suas expressões faciais, razão essa aparentemente suficiente para sentir uma enorme sensação de poder sobre si próprio.
Surgiu o vento e com ele algumas folhas a caírem sobre a água do lago. O homem não resistiu em tocar com os dedos na água fria. Ao mesmo tempo que se arrepiava, sentia dentro de si um outro tipo de frio. Assustou-se. Olhou em volta e compreendeu que a face triste ou alegre, estava mais vezes dependente do exterior do que dele próprio, a própria expressão facial era reflexo de algo alheio. Onde estaria agora o seu poder de controlo? Cerrou os punhos, afirmou em voz bem alta e com alguma irritação:
Mas eu respiro porque Eu quero! Eu ainda mando em mim!
Após o grito de desespero, respirou profundamente como se demonstrasse a si próprio o argumento que proferia...
e veio a calma e o silêncio. Um silêncio tão profundo que nem o vento se ouvia. A água do lago pareceu render-se ao seu desespero e permaneceu serena ao mesmo tempo que refletia agora as imagens envolventes como uma pintura se tratasse... um silêncio tão profundo que apenas permitia ouvir ele próprio... até ouvir apenas o seu ritmo cardíaco. O coração, esse batia sem que ninguém mandasse! E o homem compreendeu que o seu próprio motor agia sem a sua ordem. Percebeu que a sua própria condição não carecia da sua vontade.
Olhou novamente o lago e resignou-se ao silêncio e à face refletida na água.